Palavra do Pastor Sinodal – maio de 2019

O Lava-pés 

Ao iniciar a última ceia, Jesus estava profundamente consciente do momento que vivia. A clareza sobre sua posição, seu poder e sua missão preenchiam seu coração de um sentimento de urgência e de profundo amor. Seu desejo era amar os discípulos “até o fim”. 

Neste ponto caberia uma pergunta. O que faria Jesus em um momento como esses que pudesse assinalar sua atitude? Uma palestra, uma fala ou um milagre? Não, em vez disso ele tirou a capa, tomou a toalha e a bacia e foi lavar os pés dos discípulos. Normalmente havia um servo em cada residência para fazer este serviço. Como a ceia havia sido organizada num espaço emprestado, ninguém havia assumido essa tarefa, certamente por vergonha de assumir uma tarefa tão humilde.

Humilhados, os discípulos se deram conta de sua omissão. Quando chegou a vez de Pedro, este não permitiu que Jesus lavasse seus pés. Jesus insistiu em que, se ele não permitisse, não seria mais seu discípulo e que seria essencial que ele recebesse esse gesto, mesmo que ele não o entendesse naquele momento. 

A palavra que define a reação de Pedro é ‘constrangimento’. Pedro foi constrangido basicamente por dois motivos. Pedro foi exposto em sua falha, em sua omissão e em seu orgulho. O gesto de Jesus evidenciou isso de maneira clara, o que deixou Pedro confuso em seus pensamentos e emoções. 

O segundo constrangimento aconteceu quando Pedro se deu conta de que Jesus o amava apesar de seus erros e omissões. Uma imagem ilustra bem essa compreensão. É a pintura “Lava-pés” de Sieger Koder. Nela somente vemos o rosto de Cristo refletido na água suja de seus pés. Pedro precisou aprender que Jesus não só lhe percebia em suas contradições, como continuava a amá-lo intensamente apesar disso. Aqui, creio, está o centro do texto e a centralidade dessa Palavra.

Dias depois, quando o Cristo ressuscitado reencontrou Pedro, o tom de suas palavras não foi de recriminação. Cristo perguntou três vezes a Pedro se ele o amava. Diante da resposta afirmativa de seu amor a Jesus, este o desafiou então a cuidar de suas ovelhas. 

Creio que esse gesto tem muita relação com o episódio do Lava-pés. Somente quando Pedro entendeu o sentido mais profundo do amor de Jesus por ele, ele pôde entender como dirigir o seu amor e ser pastor das pessoas a ele confiadas. Amar a Deus e ser amado por ele está intrinsecamente ligado ao nosso amor ao próximo. Na verdade essas duas dimensões do amor são inseparáveis. O mesmo olhar de Cristo que nos vê através da água suja de nossos pés possibilita que amemos nosso próximo por meio do reconhecimento de nossa indignidade comum. Somos lembrados de que Cristo lava todos nossos pés.

Redescobri no Lava-pés um significado fundamental para nossa compreensão sobre quem somos e sobre como Deus nos ama. Esse Cristo que lavou os pés dos discípulos é o mesmo Cristo que amou a todos quando mais era desprezado. Cristo quer que repitamos esse gesto cada dia, a partir do seu exemplo.

P. Cláudio Kupka

Vice-Pastor Sinodal